Truman Streckhfus Persons (Truman Capote) nasceu em Nova Orleans, em 30 de setembro de 1924. Escreveu dez livros, entre peças de teatro, romances e perfis jornalísticos; algumas delas foram levadas para o cinema. Sua vida foi tão polêmica como grandes foram as suas obras. Capote possuía uma língua afiada e provocativa, um bom exemplo dessas suas qualidades ocorreu num sarau literário em que se encontravam Capote, Gore Vidal e Norman Mailer. Discutiam sobre livros quando Capote virou-se e disse “Tudo isso que vocês estão dizendo pode ser muito interessante, mas na verdade é que eu escrevi uma obra-prima, e vocês não”. Ele estava falando de “A Sangue Frio“, e com toda razão, ele tinha mesmo escrito uma obra-prima. Não somente isso, ele batizou e criou um novo gênero literário: o “romance de não-ficção” (ou “romance sem ficção”).
Para escrever “A Sangue Frio” Capote levou seis anos apurando o brutal assassinato da família Clutter, ocorrido em novembro de 1959 na cidade Holcomb, no Kansas – Estados Unidos. Para a sua pesquisa, Truman entrevistou moradores, familiares e os assassinos sem gravador ou bloco de notas, ele garantia ser capaz de memorizar horas de conversa, tendo treinado para isso. Um amigo lia trechos de um livro e ele depois acertava mais ou menos 95% do texto, era sua maneira de dispensar o uso do gravador e assim deixar o entrevistado mais a vontade. Além disso, ele também recolheu documentos oficiais, leu cartas e diários, e teve um contato muitos próximo com os assassinos; e também assistiu aos enforcamentos. Dizem que Capote não conseguiu ver o enforcamento de Perry, o que gerou a polêmica de que ele teria tido um relacionamento amoroso com o criminoso. Truman nunca foi de esconder sua homossexualidade, mantinha um relacionamento duradouro com Jack Dunphy.
“A Sangue Frio” é a história dos quatros membros da família Clutter que foram brutalmente assassinados e conta também a história dos dois criminosos, executados cinco anos depois do crime. O crime ocorreu no dia 15 de novembro de 1959. Herb Clutter, o patriarca da família, tinha 48 anos e era um fazendeiro admirado por todos da cidade, ele e sua mulher, Bonnie Clutter, tiverem quatro filhos. Eveanna, a mais velha, Beverly, a segunda mais velha,Kenyon e Nancy, que também foram assassinados naquele dia. A senhor Clutter também era uma mulher muito querida, mas a sua saúde preocupava sua família e amigos. Bonnie sofria de “problemas psicológicos”. Kenyon era um jovem misterioso e Nancy a queridinha da cidade, os dois tinham um futuro esplêndido pela frente.
A primeira parte do livro, que retrata a vida, os costumes e a personalidade de cada membro da família Clutter que ainda morava em Holcomb (Herb, Bonnie, Kenyon e Nancy) é um pouco maldosa. Maldosa no sentido de nos fazer esquecer o final de cada um deles. Capote parece perceber os momentos em que o leitor está se apegando a cada um dos personagens (no meu caso a Nancy) e faz questão de lembrar que já sabemos que eles vão morrer e quem mataram eles.
A maneira como Truman faz o paralelismo entre o que está acontecendo na cidade de Holcomb e o trajeto dos assassinos até as duas circunstâncias se cruzarem da a trama um caráter inovador. As passagens dos criminosos depois do crime e a busca dos policias até chegarem a eles dar a sensação de proximidade ao leitor.
A narrativa da elaboração do crime, para mim, foi o gancho do livro. Saber o motivo daquele crime me motivou a continuar a ler. Como leitora, pra mim tinha que ter um “por quê”, algo como vingança ou acerto de contas. Mas, assim como aconteceu com os policias, fiquei intrigada com a maneira que os corpos foram encontrados (por exemplo, a almofada em baixo da cabeça de Kenyon como se fosse pra deixa-lo mas confortável) e o valor que foi roubado na casa: quarenta dólares, um rádio e um par de binóculos.
Os assassinos, Perry Smith e Richard Hickock (Dick), foram outro gancho que deu certo para Capote. Tentar entender o que se passa na cabeça de dois assassinos de um crime brutal no qual não tinham ligação com a vítima e nenhum motivo além do dinheiro, faz o leitor se interessar pela vida pessoal de cada um deles. Isso acontece mas com Perry do que com Dick.
Perry teve uma vida conturbada, cheia de episódios dolorosos e perturbadores. Mesmo depois de assumir que atirou nos quatro membros da família Clutter ele consegue empatia por parte do leitor, que muitas vezes se pega torcendo por Perry. Ele é um rapaz que gosta de desenhar e escrever poemas, um homem perturbado pelo passado e atormentado pelos traumas da infância. Em alguns momentos o leitor ver Perry como um louco, um doente psicológico, e em outros como um adulto que esqueceu de crescer. Sua personalidade ambígua não é o suficiente para negar seu instinto assassino, mas o gesto de impedir Dick que estupre Nancy faz o leitor se sentir confuso. Mesmo porque minutos antes ele tinha matado Herb e Kenyon sem sentir nenhum tipo de emoção.
Dick era charmoso, mentiroso, irresponsável e ambicioso. Ele não tem trauma nenhum que explique o seu envolvimento com o crime, a não ser o seu desejo de enriquecimento fácil. Sua relação com a família não tinha complicações, o seu carinho por seus pais chega a comover não somente ao leitor, mas também a Perry que confessa que só ele atirou para poupar a mãe de Dick. Tirando seu prazer sexual doentio por adolescentes, o restante do seu caráter é relatado apenas no seu humor, ambição e mentiras.
A descrição do crime, ponto a ponto, estabelece um conexão de que “as coisas poderiam ser diferentes”. Ler que Perry iria desistir faz pensar que o crime poderia não ter acontecido se não fosse a sua loucura de querer provar que Dick era medroso. A insignificância do ato, logo é percebida pela vida que levam depois do crime. Como se nada tivesse acontecido.
Ler as cartas do pai de Perry e da sua irmã, ler as considerações do Doutor Jones, médico especializado no campo da psiquiatria, e ler a próprias palavras de Perry faz o leitor tomar suas próprias conclusões. Mas, conclusões sobre Perry e não sobre Dick. Tentando bancar a psicóloga não consegui encontrar nada em Dick que implicasse o caso, mesmo que ele não tenha puxado o gatilho, mas com Perry é diferente. Sua loucura e pertubação atrai quem gosta de tentar entender as pessoas, suas atitudes ambíguas e seus surtos de vingança deixam claro que ele sofria de um problema psicótico.
Deixo aqui minhas indignações, não pelo livro pois é maravilhoso, mas sim pelo caso. Por que Dick foi enforcado se não matou nenhum dos Clutter? Por que Capote, que conheceu muito bem os dois, não tentou salva-los? Ou pelo menos a Perry.
Fiquei com vontade de ler mais livros do Capote, sua escrita me fascinou. Adorei a forma como ele deixou algumas perguntas que talvez nunca serão respondidas: Até onde existe uma justificativa para atos violentos cometidos pelo ser humano? Será que a maldade precisa de uma razão para ser liberada? Como é possível pessoas sãs cometerem atos insanos? O homem nasce mau ou é corrompido pelo meio que vive?
Fica aí pra você pensar. Ficou com vontade de ler o livro? Recomendo, e depois que tal ver o filme? Me baseia na crítica do filme no site Clube do Filme e fiquei com muita vontade de ver o filme.
Até a próxima.
Karol Barbosa